top of page

Cristandade e a evolução do Poder Estatal

O nascimento da Cristandade e seu desenvolvimento

Dando continuidade ao tema a "História do Cristianismo em "3D", hoje o blog publica o artigo do jovem teólogo e pesquisador Natanael Ramos.


O artigo apresenta pontos extramente relevantes para se entender os processos políticos e religiosos que levaram a estatização do cristianismo pelo império romano, e das múltiplas formas que o cristianismo assumiu como religião civil a serviço do estado.


Eu espero que você leitor desfrute de viajem na história para aprender e comprender os fenomenos sociais advindos dos fortes embates teológicos e políticos em torno da fé cristão. Boa leitura!


Jose A Neves Aquino-Administrador

Natanael Ramos Araújo. Bacharel em Teologia e Pós Graduado em Ciências da Religião pela FAK - Faculdade Kurios - CE; Pós graduado em Docência do Ensino Superior, pela FATECMG - Faculdade de Tecnologia e Ciências de Minas Gerais.


Introdução

Após o nascimento da Cristandade e seu desenvolvimento, não só a influência do pensamento grego e o vínculo entre a religião cristã e o Estado foram as únicas coisas que surgiram durante sua história. Com o passar do tempo muitas coisas vieram a serem criadas, e as tais foram avançando cada vez mais durante a Idade Média. Estudando sobre a Cristandade, percebe-se que, entre as várias ocorrências históricas que surgiram ao longo do tempo em seu desenvolvimento, cujo tinha um forte vínculo com o Estado, destaca-se o poder Estatal.

Para se ter uma melhor compreensão sobre esse tema a ser elucidado, é necessário voltar-se um pouco na história, em específico, antes da morte do imperador Constantino ainda no século IV. Pode-se perceber que no período em que Constantino esteve no poder de Roma, o mesmo tinha um forte senso de ganância, a ponto de em algumas vezes de forma dissimulada, juntar-se a outro imperador durante um curto prazo, apenas para alcançar seus pretenciosos objetivos, como foi seu caso com Licínio. Constantino e Licínio estiveram aliados durante um período de guerras, entre elas a batalha de Constantino contra Maxêncio no início do século IV. Nessa época, o império romano ficou dividido entre Império Oriental e Ocidental. Constantino ficou responsável pelo governo do império oriental, enquanto Licínio passou a governar o império oriental.

Essa divisão do império romano não durou muito tempo. Passados alguns anos, Constantino passou a temer que Licínio tentasse se levantar contra ele, por esse motivo guerreou contra Licínio, simplesmente porque não se conformava com o império dividido. No ano 324 D.C., Constantino invadiu o território governado por Licínio. Constantino justificou isto diante a Igreja, alegando que Licínio tinha começado a perseguir os cristãos como os demais imperadores faziam antes. Alguns historiadores dizem que a guerra de Constantino contra Licínio foi diferente de todas as guerras romanas anteriores, pois, nesta guerra contra Licínio, os soldados cristãos participaram da própria matança. Constantino pediu aos bispos da Igreja primitiva que acompanhassem o seu exército e orassem por eles durante a batalha. Também mandou que se construísse uma cruz enorme como um estandarte de guerra, a qual seus soldados carregaram como um talismã que garantiria a vitória. Desde então Constantino com sua ganância, passou a governar todo império romano.

Não há dúvidas de que o poder Estatal fazia parte dos planos de Constantino, pois esse poder, daria status superiores aos imperadores que por sua vez fossem eleitos como o líder superior, além de outorgarem autoridade para que seu domínio se sobressaísse dos demais. Constantino não conseguiu decretar o poder Estatal como bem planejava, mas, como já foi lido no tópico três, após a morte de Constantino, seus pensamentos ainda vigoraram entre os cristãos que viviam sob o poder do império romano, com isso, os planos traçados pelos imperadores continuavam sendo postos em prática sem que alguém intervisse ou contestasse. Com o passar do tempo, os planos sobre a questão do poder estatal se tornaram um assunto muito discutido pelo Clero, pois os imperadores sabiam que tal lei dogmática poderia ser uma base para fortalecer ainda mais a Cristandade, a qual estava plenamente voltada aos interesses do império.

Para trazer o poder estatal, que tinha por objetivo impor um imperador romano como líder superior, a Cristandade passou a usar argumentos que trouxessem para os cristãos a ideia de que o poder estatal não seria apenas um governo humano, e sim, um governo espiritual onde os imperadores que emergissem ao trono, eram guiados por Deus em suas ordens e decisões. A principal argumentação usada pelos Bispos de Roma, era de que Pedro, apóstolo de Jesus, era o Papa da igreja primitiva.

Até hoje há muitas discussões teológicas entre católicos e protestantes sobre essa tradição que delega ao apóstolo Pedro o título de primeiro papa, todavia, o que se deve levar em conta sobre essa questão tradicional é o contexto histórico e não o título de papa que Pedro veio a receber por tradição. Além disso, deve-se saber que, a palavra “papa” significa pai e, até o ano 500 D.C., todos os bispos ocidentais foram chamados assim: aos poucos, restringiram esse tratamento aos bispos de Roma, que valorizados, trouxeram a ideia de que a Capital do império desfeito deveria ser Sede da Igreja. Foi exatamente desse pressuposto que os primeiros papas foram bispos de Roma. Estudando a história do papado, nota-se que, os primeiros papas e bisposrenomados, eram especificadamente de Roma e não de outra localidade.

O Dr. Rodrigo silva, teólogo, arqueólogo e apresentador do programa evidencias da TV Novo Tempo, afirmou que, “no século II a igreja estava mais organizada e começou a ver maisdestaque para líderes locais, porém o respeito era proporcional, dependendo do tamanho da cidade onde suas congregações locais eram localizadas”. Diante dessa afirmaçãopode-se ver que, Roma, sendo a Capital do império romano, os bispos dessa localidadeeram posto em destaque. Porém, isso não foi o único motivo pelo qual os bispos de Romaeram os mais privilegiados em relação ao poder Estatal. De acordo com o teólogo RichardP. McBrien, além dos bispos de Roma ganhar destaque por ser a capital do impérioRomano, o papado é associado, desde o início à cidade de Roma, porque supostamentefoi nessa cidade que os apóstolos Pedro e Paulo teriam sido martirizados. Em suaspalavras ela afirma que:

Seria espantoso se Roma não fosse escolhida para um papel especial e uma posição de autoridade na Igreja primitiva. Era não só tradicionalmente considerada o lugar dos martírios e sepultamentos de Pedro e Paulo como também o centro do Império Romano. Aos poucos, Roma emergiu como tribunal eclesiástico de última instância, a Igreja local à qual outras Igrejas locais e seus bispos apelavam quando não conseguiam decidir sozinhos disputas e conflitos entre si. (MCBRIEN, Richard P., 2004: 24).

Não se pode negar que a questão sobre o governo estatal e levantamento de um Papa, que na maioria das vezes era de Roma, a qual havia se tornado a sede da igreja, eram coisas ligadas a interesses políticos do Estado.

No século IV e V, muitas questões sobre o poder estatal ainda eram alvo de várias teorias. Uma das teorias primárias desse período foi a de Santo Agostinho (354- 430). Santo Agostinho formula a ideia de uma igreja dotada de um duplo caráter: uma Eclésia enquanto instituição voltada para as questões de ordem administrativas, e uma Eclésia espiritual responsável pela busca e condução das almas à salvação. Agostinho dizia que a Igreja é ao mesmo tempo material e espiritual. Com relação ao Império, ele argumentava claramente que este se ocupava apenas com necessidades exteriores e não possuía um caráter sagrado. Em sua obra “A Cidade de Deus”, Agostinho trabalhará com a ideia de duas cidades - a terrena e a espiritual. (PEDRERO-SÁNCHEZ, M. G.,2003:121).

O próprio Agostinho, sendo um dos pais da igreja, trazia em suas próprias palavras, a certeza de que, o poder estatal do império, não tinha nenhuma ligação com preceitos divinos, simplesmente preocupava-se apenas com necessidades exteriores, ou seja, coisas materiais físicas, e em seu principal foco, poderes políticos.

Se tratando de poder Estatal, uma coisa que deve ser compreendida por todos os leitores, é a questão do Papa como líder máximo da Cristandade. Como já foi frisado anteriormente, os bispos de Roma eram chamados de papa, todavia, ser considerado papa no início da Idade Média, não significava ser líder máximo ou supremo da Cristandade era apenas uma forma usada como referência, em especial aos bispos de Roma. Porém, no século XI, com a famosa Reforma Gregoriana, essa forma de referência ao papa, veio mudar amplamente.

No século XI, o Papa Gregório VII, marcou muito, sendo considerado por muitos estudiosos e historiadores como um dos papas mais notáveis da Idade Média. Ele se destacou por combater os dois principais problemas que a Igreja enfrentava: a Simonia (venda de benefícios eclesiásticos) e o matrimônio ou concubinato dos clérigos. Além disso, convencido de que os transtornos que afetavam a Igreja procediam de investiduras leigas, promulgou em 1075 seu decreto que proibia os poderes seculares a concessão de bispados, sob pena de excomunhão. Nessa época ouvi um embate muito forte entre o imperador Henrique IV e o Papa Gregório VII. O imperador Henrique IV levantou-se contra o Papa São Gregório VII.

O príncipe pretendia ter poder sobre o Papa com baseem sofismas e uma capciosa interpretação das Escrituras. Pretendia ainda, entre muitascoisas, ter poder para nomear bispos e destituí-los e até de depor o Sumo Pontífice. Gregório VII excomungou-o para dar baixa nessa situação, porém, esse embate durou décadas até se resolver. Esse forte embate entre o Papa e o Imperador, causou uma grande revolta por parte da Igreja e fez com que diversos Papas lutassem contra essas atitudes de certos monarcas, e até mesmo contra os próprios monarcas.

Partindo desse contexto, entende-se que Gregório VII percebe que para manter a Igreja como centro de todas as decisões é preciso fixar sua autonomia perante o Império ou qualquer outro poder temporal, e a melhor forma de fazer isso eram colocar o Sumo Pontífice como líder máximo da Cristandade.

Toda esta autonomia eclesiástica almejada por Gregório VII fica visível no documento conhecido como DictatusPapae (1075):

Que só a Igreja Romana foi fundada por Deus. Que, portanto, só o pontífice romano tem o direito de chamar-se universal. Que só ele pode depor ou estabelecer bispos. (...) Que o papa pode depor os ausentes. Que não devemos ter comunhão nem permanecer na mesma casa com aqueles que tenham sido excomungados pelo pontífice. (...) Que só ele pode usar a insígnia imperial. Que seu título é único no mundo. Que lhe é lícito depor o imperador. (...) Que o pontífice pode liberar os súditos da fidelidade a um monarca iníquo.(GREGÓRIO VII, 2000: 128 – 129) (Grifo meu).

Percebe-se que a Reforma Gregoriana vai abrir espaço para que aja um Sumo Pontífice, o Papa, que agora não é mais apenas um simples bispo de Roma, mais um Líder máximo da Cristandade como é até os dias de hoje. O regime dado ao sumo pontífice deu ao mesmo uma autoridade suprema, onde jamais poderia aceitar questionamentos contrários a suas decisões. Podemos ver a força deste regime através de um grande historiador e medievalista inglês. Richard W. Southern, que dizia:

O Papa não pode ser julgado por ninguém; a Igreja Romana nunca errou e nunca errará até o final dos tempos; A Igreja Romana foi fundada apenas por Cristo; só o Papa pode depor e empossar bispos; só ele pode convocar assembleias eclesiásticas e autorizar a Lei Canônica; só ele pode revisar seus julgamentos; só ele pode usar a insígnia imperial; pode depor imperadores, pode absolver vassalos de seus deveres de obediência; todos os príncipes devem beijar seus pés. (SOUTHERN, 1970, p. 102).

Segundo o historiador medievalista francês JérômeBaschet (2006:190), a reforma gregoriana não pode ser vista apenas como um conflito entre o papado e o imperador e a reforma moral do clero, mas sim como uma reestruturação global da sociedade cristã, tendo como principais eixos a reforma da hierarquia secular sobre a autoridade do papa e a separação hierárquica entre laicos e clérigos.

Desde a Reforma Gregoriana o Papa passou a ser reconhecido com o líder máximo da Cristandade, e isso nunca foi mudado, pois toda sociedade reconhece isso. Uma coisa que deve ser entendida, é que, embora o Poder Estatal não tenha sido criado com o objetivo de trazer um crescimento espiritual aos membros da Eclésia, ele teve de certa forma seu importante papel, pois devemos lembrar que Constantino o qual foi o primeiro a ter o desejo de impor esse poder sobre Cristianismo foi protagonista da liberdade de culto cristão.

Embora Santo Agostinho tenha questionado sobre a distinção entre Eclésia espiritual e Eclésia enquanto instituição voltada a questões administrativas, o mesmo não desqualifica o papel da política do Estado voltado a sociedade, todavia o mesmo entende por política qualificada aquela à qual reconhece a autoridade divina quando diz que se, por conseguinte, se rende culto ao Deus verdadeiro, servindo com sacrifícios sinceros e bons costumes, é útil que os bons reinem por muito tempo e onde quer que seja. E não o é tanto para os governados como para os governantes. Quanto a eles, a piedade e a bondade, grandes dons de Deus, lhes bastam para a felicidade verdadeira, que, se merecida, permite à gente viver bem nesta vida e conseguir depois a vida eterna.

E bom que todos saibam que Poder Estatal não foi uma criação feita pela Igreja Católica, como muitos leigos chegam a imaginar, nem mesmo o Papa é o único ponto exclusivo desse poder, e sim, apenas um representante em destaque dos demais, porém,tanto católicos quanto protestantes carregam em sua história um vínculo com o Poder Estatal que jamais foi negado pelos historiadores e estudiosos do Cristianismo.

Pelo que foi visto, o poder Estatal, até os dias de hoje pode-se ver pelo contexto histórico apresentado que, o mesmo sempre esteve ligado a questões voltadas para o negócios do Estado, e não preocupado com a fé dos cristãos. Mesmo que haja quem discorde desse pensamento, não podemos negar essa clareza, pois desde de que iniciou-se essa influência autoritária e dominadora, seu alvo nunca esteve voltado a questões espirituais, e sim políticas.

O enfoque principal a se entender, é que, todo esse plano de poder Estatal e imposição de um líder máximo implementado na sociedade, faz parte de um projeto cujo toda conveniência esteve sempre voltada a Cristandade. O Cristianismo enquanto religião voltada para as pessoas necessitadas e excluídas da sociedade, não teve em nenhum momento vínculo voltado para tais objetivos políticos do Estado. Todos esses projetos implementados se tornaram um complô formado pela Cristandade para se sobressair, formando uma barreira de proteção sobre si mesma.

REFERÊNCIAS

BASCHET, Jérôme, (2006), A civilização Feudal: do ano 1000 à colonização da América. São Paulo: EditoraGlobo.

SOUTHERN, Richard W. Western Society and the Churchs in the middle Ages. New York: Penguin, 1970.

CASPAR, Epistolae in usumscholarum, MonumentaGermaniaeHistorica, II, p.483.

MCBRIEN, Richard P. Os Papas: os pontífices de São Pedro a João Paulo II. São Paulo: Edições Loyola,2004.

PEDRERO-SÁNCHEZ, M. G. História da Idade Média: textos e testemunhas. São Paulo: Editora UNESP, 2003.


PARTICIPE DO GRUPO DE PESQUISADORES E ESTUDANTES




LANÇAMENTO LIVRO 'A GRAÇA DE DEUS'

26 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo
bottom of page