Por Natanael Ramos
Uma síntese sobre ἁρπαγμός em conexão com ὑπάρχω como palavras chaves no estudo sobre a divindade de Jesus em Filipenses 2.5-8
INTRODUÇÃO
Filipenses 2.5-8 é um dos textos mais importantes da teologia paulina em relação às discussões a respeito da "divindade de Jesus". É provável que Filipenses 2:6-11 contenha, pelo menos em parte, um hino primitivo, segundo Reymond (1990, p.251).
Há desacordo sobre se este hino foi composição do próprio Paulo, ou se ele foi escrito antes de Paulo, que simplesmente usou o hino para servir aos seus propósitos nesta epístola.
Em qualquer caso, é difícil negar que ele foi um hino primitivo. Todavia, não irei me ater a essa longa discussão.
A quase dois milénios vem sendo discutido entre teólogos desde a época dos primeiros concílios da história da igreja, ainda no século IV, sobre a divindade de Jesus, se ele é Deus, um ser divino, ou apenas um homem que trazia uma mensagem renovadora. E, esse texto paulino é um dos quais mais está presente nesta discussão.
Não irei me ater a todos os textos discutidos por teólogos renomados a anos, mas quero trazer uma pequena analise sintática de uma das passagens bíblicas mais importante sobre essa questão tão discutida e polêmica no meio teológico. Apresentarei neste estudo, apenas uma síntese sobre ἁρπαγμός em conexão com ὑπάρχω como palavras chaves no estudo sobre a divindade de Jesus em Filipenses 2.5-8. Embora o comentário seja curso, despertará interesse para os estudiosos de teologia e exegese bíblica.
Analisando brevemente duas versões na língua portuguesa e depois comparando-asao original grego para chegar a uma ideia ou posicionamento, desta exposição paulina, as duas versões dizem:
Tende em vós o mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus, pois ele, subsistindo em forma de Deus, não julgou como usurpação o ser igual a Deus; antes, a si mesmo se esvaziou, assumindo a forma de servo, tornando-se em semelhança de homens; e, reconhecido em figura humana, a si mesmo se humilhou, tornando-se obediente até a morte e morte de cruz. - Filipenses 2:5-8.
Tende em vós aquele sentimento que houve também em Cristo Jesus, o qual, sendo em forma de Deus, não considerou o ser igual a Deus coisa a que se devia aferrar, mas esvaziou-se a si mesmo, tomando a forma de servo, tornando-se semelhante aos homens; e, achado na forma de homem, humilhou-se a si mesmo, tornando-se obediente até a morte, e morte de cruz. - Filipenses 2:5-8. (Grifo meu)
As duas possíveis traduções traz uma pequena diferença, porém essa pequena diferença pode ser a chave da discussão. Afinal de contas, Jesus não queria se apegar à igualdade com Deus, ou Jesus não considerou a hipótese de usurpar a igualdade com Deus?
O texto grego está da seguinte forma:
Τοῦτοφρονεῖτεἐνὑμῖν ὃ καὶ ἐνΧριστῷἸησοῦ,ὃςἐνμορφῇθεοῦὑπάρχωνοὐχἁρπαγμὸνἡγήσατο τὸεἶναι ἴσα θεῷ, ἀλλὰ ἑαυτὸνἐκένωσενμορφὴνδούλου λαβών, ἐνὁμοιώματι ἀνθρώπων γενόμενος• καὶ σχήματι εὑρεθεὶςὡςἄνθρωπος ἐταπείνωσεν ἑαυτὸνγενόμενος ὑπήκοοςμέχρι θανάτου, θανάτουδὲσταυροῦ. (Phi 2:5-8 BGT)
A partir das palavras gregas grifadas no texto grego serão enfatizadas suas possíveis traduções e sua relação com a hipótese sobre a divindade de Jesus neste texto.
Análise
Olhando a tradução do versículo 6 se deve principalmente à palavra ἁρπαγμός. Ela pode significar usurpar ou se apegar. Os dicionários nos trazem aquilo que é conhecido como significado não afetado de uma palavra, isto é, tudo que uma palavra pode significar. Isto não significa que quando a palavra é usada, ela possa ser substituída por qualquer definição encontrada no dicionário, muito menos que podemos escolher qualquer definição listada ali.
O que vai definir o significado de uma palavra, dentre aqueles listados no dicionário, é o contexto. Assim, diante dos significados apresentados para ἁρπαγμός, qual deles de fato se encaixam no contexto?
A melhor (a meu ver)hipótese sobre essa questão gramatical que pode-se chegar é que tudo irá depender de outra palavra presente no versículo; isto é, a palavra ὑπάρχω, que é traduzida por “subsistindo”. A palavra é um particípio, e como particípio ela pode estar sendo empregada aqui de duas formas possíveis: ela pode ser um particípio concessivo ou um particípio causal.
O particípio concessivo indica que algo seja feito “a despeito de” ou “embora” outra coisa aconteça. Neste caso, portanto, ὑπάρχω seria traduzido como “embora subsistindo...” ou “apesar de existir...”. O particípio causal, no entanto, informa a causa para que algo aconteça. A tradução de ὑπάρχω neste caso seria “por subsistir...ou sendo...”.
Para um estudo mais aprofundado sobre os particípios causais e concessivos é indicada a obra de Wallace, Daniel B., Gramática Grega, Uma sintaxe exegética do Novo Testamento (Editora EBR), pág. 631, 632, 634 e 635.
Sendo assim, temos duas traduções possíveis para a palavraὑπάρχω dentro desta passagem. Se ὑπάρχω for um particípio concessivo, o único significado que podemos escolher para ἁρπαγμός é coisa a se apegar. Nesta situação, Paulo estaria dizendo que Jesus, mesmo sendo Deus e tendo o direito a toda glória, não se apegou à sua divindade. Ele abriu mão de toda a honra que lhe era devida para se tornar servo. Houve aqui uma concessão: Jesus se tornou servo, mesmo sendo Deus.
Alguns estudiosos tentam associar essa divindade de Cristo apresentada pelo escritor aos Filipenses 2.5-8 com as criaturas angelicais, colocando Jesus como se fosse um anjo divino ou algo desta natureza.
Porém, ao observar esta curta análise gramatical de Filipenses 2.5-8, pode-se concluir aqui, que Paulo está apresentando Jesus como um ser divino, e não uma mera criatura celeste, muito menos como um ser humano. Ao mesmo tempo, esta ideia não é apresentada no contexto da passagem em comparação com anjos, ou seres espirituais, mas, sim, numa escala divina, digna de adoração, pois, como a passagem nos versos 10 e 11: “Ao nome de Jesus se dobre todo joelho (...) e toda língua confesse que Jesus é o Senhor”.
Esse modelo de adoração, não é aplicado a anjos em nenhuma passagem do Antigo ou novo testamento, o que é torna Filipenses, uma base para discussão sobre a divindade de Jesus e, supostamente a doutrina da sua Coo-igualdade com Deus-pai.
Diante desta pequena análise, podemos dá credito a interpretação mais comum de que o escritor de Filipenses 2.5-8 (tradicionalmente Paulo de Tarso) apresentou a crença comum entre os filipenses sobre a divindade de Cristo.
Referencias
A.T. Robertson, Word Pictures in the New Testament, commentary de Filipenses 2:6.
Dicionário Grego do Novo Testamento de James Strong, anotado pela AMG, que faz parte do apêndice da Bíblia de Estudo Palavras-Chave Hebraico e Grego - Edições CPAD – 2011, pág. 2436.
N.R. Champlin, Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia (Editora Hagnos), Volume 2, página 805.
Reymond, Robert L. Jesus, Divine Messiah. Phillipsburg, NJ: Presbyterian and Reformed Publishing Co. 1990.
Wallace, Daniel B., Gramática Grega, Uma sintaxe exegética do Novo Testamento (Editora EBR), pág. 614.
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